Uma coisa é fato: o humor que vemos hoje e o de algumas décadas atrás são extremamente distintos. O atual perdeu quase completamente aquele espírito de Os Trapalhões, de Mazzaropi. Com exceção de um ou outro programa como Zorra Total, é ácido e um tanto quanto controverso.
Talvez um dos principais motivos que fazem com que o assunto divida tanto as opiniões seja o fato de que as comédias que mais fazem sucesso, em especial as do tipo stand-up, adquiriram uma natureza que vai além do caricato tradicional a personagens fictícias. Agora, elas trabalham de modo a atacar pessoas reais de uma maneira particularmente agressiva, baseando a acidez da crítica humorística, na maioria das vezes, a características como etnia, porte físico, orientação sexual, nacionalidade — e até regionalidade, como é o caso das piadas de gaúchos e nordestinos — e assim por diante.
A explicação, segundo Idelber Avelar, um conceituado professor de literatura1, é que "a piada preconceituosa se ancora em determinados valores solidificados na sociedade". Ele completa, ainda, que este é o humor fácil, pois estas ideias já estão montadas na mentalidade popular.
O mais assustador, porém, é que este tipo de humor faz sucesso. Isso porque, como diz Laerte, ele [o humor] "dialoga com o preconceito das pessoas". Inclusive, muitos veem nas piadas uma bela oportunidade para mascarar pensamentos grotescamente desumanos, na tentativa de fazer com que eles pareçam naturais. A infeliz fala de Rafinha Bastos de que "o estupro às mulheres feias não deveria ser encarado como crime, e sim como um favor", por exemplo, exterioriza a ideia que, sinto dizer, uma considerável parcela da sociedade brasileira possui. Além de não ser sequer engraçado.
Chega a ser patética a performance de algumas pessoas que, na busca incessante de fazer comédia custe o que custar, atropelam o bom senso e ignoram até mesmo a mínima dignidade humana. Um claro exemplo disto é a Marcela Leal que, com seu "humor", ridicularizaria até mesmo a própria avó se isso arrancasse algumas risadas constrangidas da plateia.

Alguns podem contra-argumentar dizendo que é preciso combater não as piadas, e sim as realidades que estão por trás delas. Ora! Essa dissociação não se justifica, pois estas duas coisas não são distintas em nível algum! Pelo contrário: as palavras (no caso, as usadas para fazer humor) são justamente a maneira que a discriminação encontra para se propagar. Portanto, qual a maneira de lutar contra esta discriminação se não pela crítica às palavras?
Outro ponto a ser esclarecido é que a comédia sempre — sempre — se apresentará em forma de crítica. Não é este o problema. O problema é o que ela critica. Ela, sendo uma forma de arte, desempenha um papel fundamental na formação e divulgação de ideias. Embora sutil e muitas vezes subestimado, é bastante poderoso o potencial que os humoristas possuem. Criar um humor que não atende sua função social seria subvertê-lo, fazendo com que ele se torne, deste modo, um humor às avessas. Num cenário político no qual há tanta coisa errada para ser satirizada e depreciada, o bom senso não permite que haja espaço para piadas de mau gosto sobre o bebê de Wanessa Camargo. Pelo menos não sem as devidas represálias.
Cabe dizer ainda que, se o humor pode disseminar paradigmas sociais, também pode quebrá-los. É claro que não é uma tarefa fácil. Se criar humor inteligente já exige criatividade, tratar questões sociais de forma leve e engraçada exige ainda mais. Não é uma questão de ser politicamente correto, nem de mero moralismo, e sim de mobilidade social, de empatia. Fazendo uma analogia ao belíssimo poema Intertexto de Bertold Brecht: importe-se com os outros antes que seja tarde.
Para finalizar, é essencial destacar que para tudo há limites. O humor não se foge à regra. Se existe liberdade para um comediante fazer seu trabalho, também deve haver liberdade para a repreensão. As coisas não funcionam numa via de mão única. Caso um humorista se meta a falar a respeito de alguém ou de determinado grupo de pessoas, seja da maneira que for, ele está automaticamente sujeito à reação do coletivo e, sobretudo, a uma possível resposta judicial. Não aceitar isto seria colocar a profissão de humorista num pedestal e endeusá-la. Afinal, até onde eu sei, nenhum humorista está acima da lei.